Função numa Casa de Santo


Função numa Casa de Santo é uma Engrenagem Baseada na Coletividade

Função numa Casa de Santo é uma Engrenagem Baseada na Coletividade

Um chamado à consciência, à fé e ao compromisso com o sagrado coletivo

Dentro de uma inzo (casa de axé), cada passo dado, cada folha varrida do chão do barracão, cada prato preparado com carinho, cada canto entoado na vibração correta, nada disso é simples ou aleatório. Tudo tem uma razão de ser, um sentido profundo que transcende o que os olhos veem. E essa razão se chama: função.

Mas aqui vai um alerta muito necessário: função não é trabalho. Não é obrigação mecânica. Função é entrega espiritual, é a materialização da fé através das atividades de um terreiro, é o elo entre o sagrado e o humano, feito com as próprias mãos, com o corpo, com o axé que habita em cada um de nós.

Quando compreendemos que uma casa de santo é como uma engrenagem viva e pulsante, tudo isso muda. E engrenagem, para funcionar, precisa de todas as suas partes ativas e funcionando para que as coisas aconteçam. Uma só peça travada, cansada, desmotivada, desgastada ou em descompasso... e o sagrado já não gira como deveria.

A verdadeira função é coletiva

No mundo em que vivemos, somos constantemente incentivados a dar valor à individualidade. “Cuide de você”, “pense no seu progresso”, “corra atrás dos seus sonhos”. Mas o terreiro é uma contracorrente. Lá, a lógica é ancestral, circular e coletiva.

Quando você assume uma função — seja ela varrer o chão, preparar os alimentos, tocar, cantar, costurar, cuidar do barracão ou orientar filhos mais novos — você não está "fazendo algo para alguém". Você está servindo ao coletivo, e por meio dele, honrando os ancestrais e o próprio sagrado que está em você.

Função é identidade e pertencimento

Cada função num terreiro é uma forma de expressar a sua fé em ação. E mais do que isso, é uma ferramenta de construção da sua identidade espiritual.

Não importa o título. Não importa se você é Tata Kambondo (ogã), Makota (ekedji), Munzenza (iaô) ou Ndumbe (abiã). Se você tem função, você tem um lugar. E quem tem lugar, tem missão. E quem tem missão, tem propósito.

É por isso que muitas vezes vemos filhos de santo se afastando por se sentirem “sem função ou sem utilidade”. Porque o ser humano precisa se sentir útil. No barracão, essa utilidade é espiritualizada. Fazer parte da casa é se sentir necessário, lembrado, valorizado — não por ego, mas porque a coletividade precisa da sua presença sempre ativa.

A engrenagem do axé: ninguém gira sozinho

Vamos imaginar uma roda com várias engrenagens conectadas. Se uma gira, as outras também se movimentam. Agora imagine se uma delas emperra. O sistema inteiro sofre de alguma forma.

É assim numa casa de axé. Se alguém falta, se alguém se afasta da sua função, o sagrado se reorganiza, sim. Mas algo se perde: o ritmo, o equilíbrio, a harmonia, entre outras coisas mais.

Por isso, entender sua função não é sobre “o que eu ganho com isso”, mas quem eu ajudo a manter em pé. Porque servir no axé é manter em pé um templo ancestral, uma tradição, uma memória coletiva.

Função é fé em movimento

Não se trata apenas de “ajudar”. É mais do que isso. É se colocar em estado de devoção ativa. Quem cozinha para os minkisi está alimentando energias ancestrais. Quem varre o chão está limpando caminhos. Quem canta está invocando forças sagradas. Quem toca está reverberando o pulsar da criação.

Cada gesto dentro da casa é uma oração em forma de ação.

Cada função, por menor que pareça, é uma manifestação de fé.

E não precisa haver aplausos. O sagrado não se alimenta de palmas. O sagrado se alimenta de sinceridade, de verdade, de silêncio interior.

Quanto mais você fizer em silêncio, mais o seu sagrado te ouvirá.

A motivação certa para estar presente

Muitos perguntam: “Por que fulano não ajuda?” “Por que ciclano nunca vem?”
Mas talvez a pergunta mais poderosa seja: “Por que eu continuo aqui?”

Se a sua função for alimentada por fé, por conexão e por amor ao axé, nenhuma ausência te desanima. Nenhuma falta te enfraquece. Porque você não está ali para competir, cobrar ou se provar. Você está ali porque entendeu o seu lugar na engrenagem divina da ancestralidade que move aquele espaço sagrado.

A bênção de ter função

Sabe qual é a verdadeira bênção? Ter um lugar onde você é chamado, lembrado, acolhido, confiado. Ter função numa casa de santo é um privilégio. É um sinal de que os guias, os nkisis, os orixás confiam em você como canal de realização.

Por isso, seja digno da sua função.

Seja fiel ao seu axé.

Seja firme no que você acredita.

Não deixe a engrenagem parar por sua causa

Você pode até ser aquela peça que faz o barracão girar com mais leveza, com mais axé, com mais alegria. Você pode até ser a diferença entre um ritual harmonioso e um dia de dificuldades. Você pode até ser o elo que inspira outros a retomarem suas funções, a reencontrarem seu propósito.

Mas não deixe a engrenagem parar por causa do seu cansaço, da sua vaidade ou da sua dúvida.

Se precisar descansar, descanse.
Se precisar refletir, reflita.
Mas nunca se esqueça: você faz parte de algo muito maior.

Que sua função seja sempre sua força!

Ser parte de uma casa de santo é um chamado espiritual. E dentro desse chamado, ter uma função é ter a chance de servir, aprender, crescer e se conectar. É um ciclo de bênçãos que se alimenta da entrega sincera de cada um.

Valorize seu papel. Honre sua casa. Sirva com fé.

Porque quem perde é quem não participa. Quem vive a função é que se fortalece. E quem serve ao axé com amor, nunca sai de mãos vazias.

Compartilhe este texto com alguém da sua roça que precisa lembrar do seu valor.

Comente aqui embaixo: qual é a sua função e o que ela representa pra você? Vamos fortalecer essa corrente de axé juntos.

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